sexta-feira, 20 de maio de 2011

Textos dos outros: De preferência, me chamem de Rafael!

Eu sei que já se passou algum tempo desde a tragédia em realengo.Mas a alguns dias atrás eu estava no curso e o coordenador de lá, leu um texto sobre o assunto que me agradou muito, então eu resolvi postá-lo.




De preferência, me chamem de Rafael!

Jornalistas escrevem demais! Expressam demais! Opinam demais! O silêncio de alguns momentos dá-me crédito para que agora, ao julgar oportuno, relate as minhas observações sobre o fato. Escrevo pouco nos últimos doze meses, apenas o essencial. Falta-me tempo. Falta-me crítica. Falta-me bom senso. Diante do ocorrido, deixo de lado meus compromissos, minhas inércias e meu egocentrismo. Não há como não comentar o fato, tão cruel e com tantas proximidades. As letras seguem, as palavras formam, a opinião surge, eu flerto entre a primeira pessoa do singular e a do plural.
Como tantos brasileiros, é impossível conter as lágrimas diante do rádio, da televisão e da internet. De todos os lados, notícias da tragédia de Realengo. O Brasil de luto, comoção nacional. Vítimas inocentes, sonhos interrompidos brutamente por um assassino, um monstro da sociedade medíocre que como se fosse um juiz divino, insiste em apenas condená-lo.
A superficialidade das notícias e das reportagens é prática comum nas redações país afora. Os porquês não são respondidos. As histórias não são contadas. Como se formou um psicopata e os motivos desse descontrole. Quais razões levam um cidadão a assassinar sem dó, nem piedade. Loucura, Religião, Bullying. Sabe-se que abandonado pelos pais, ridicularizado na escola e ignorado pela sociedade, constrói-se facilmente uma psique doentia, um homem sem escrúpulos e sem noções sociais. A culpa é de todos! Não o isentemos da responsabilidade da barbárie que cometeu, mas nós observamos, classificamos e excluímos as pessoas ao primeiro sinal de incompatibilidade. São estereótipos de padrões comportamentais, de consumo, estéticos e financeiros.
Do alto do prédio, ao conectar esses contextos, revolto-me descomunalmente ao ponto de gerar uma vontade de em poucos segundos confirmar numa contagem decrescente o número de andares da torre. Por que sou escravo da indústria cultural? Por que sou submisso aos meios de comunicação de massa? Por que permito uma manipulação desmedida? Por que permito uma persuasão sem escrúpulos? Por que permito uma influência descabida, mentirosa, vulgar e obrigatória?
Eu repudio a grande mídia deste país que comete um crime ao expor repetidas vezes, crianças relatando os momentos traumáticos, as lembranças desagradáveis de um dia que jamais esquecerão, de cenas que martelam em seus neurônios, de tiros estrondosos que rompem seus tímpanos, de lembranças tristes. O apelo ao sensacionalismo e à emoção pelo pioneirismo do ato insano é condenável. A mídia não tem crédito e nem é seu dever fazer juízo de valor. Informar desta forma não é praticar responsabilidade social, é desrespeitar o cidadão que sentado frente à TV, tem seus ouvidos feitos lixo e seus olhos, valas comuns, durante 45 minutos, se é que me entendem. (duração dos três grandes telejornais do Brasil).
E a população não dá um basta nisto, não pode intervir. Instaura-se na audiência uma reação automática e irreflexiva perante àquilo a ser consumido. A sensibilidade e a emoção estão acima da razão. De forma acrítica os telespectadores consomem os padrões, tendo como objetivos principais a venda de mercadorias, o lucro e a imagem de “emissora mocinha”, não se importando com as pessoas, com a dignidade e com espírito solidário e fraterno. O importante é aquela entrevista, aquele furo jornalístico, aquela matéria sensacionalista. Os protagonistas dessa história são como marionetes, mas em Realengo nada foi ficção.    
E por que eu falaria disto? O fato é tão próximo de mim quanto irmãos siameses o são. Desde 2005 quando voltei do seminário, trabalho numa escola, um ambiente onde plantam-se sonhos, colhem-se aprendizados, constróem-se amizades, evolui-se. A tragédia de Realengo comoveu o país não apenas pelas crianças mortas. Porque tudo ocorreu num colégio. É tarde para debater políticas públicas de segurança nas escolas. Neste momento, 12 anjos já estão diante de Deus. O precedente mantém-se. Quantos outros psicopatas farão o mesmo? Nossas escolas são portos seguros ou navios em naufrágio? As transferências serão permitidas? Coragem donde para retornar ao cenário da catástrofe? Os alunos lembram-se dos pisos ensangüentados, das carteiras e mesas espalhadas, do material pelo chão, das cápsulas de bala calibre 38. A empatia é incrível! Poderia ser na minha escola, na minha família. Graças a Deus não o foi. Mas solidarizo-me porque não é fácil enfrentar os tabus emocionais. E ainda mais pela escola, instituição que admiro, amo, idolatro.
            Se não bastasse isso, coincidências a parte, 07 de abril é dia do jornalista. Não há por que cambiarmos parabéns em festas luxuosas, por motivos óbvios. Não merecem. Não merecemos os parabéns com esse jornalismo medíocre que vimos desde quinta-feira. Não há nenhum compromisso ético. Não há um pingo de respeito, de dignidade. O jornalista que tanto fala de direitos humanos é o primeiro a desrespeitá-los. Parece uma máquina de fazer informação em meio à mentira, à hipocrisia e ao falso moralismo que às vezes me envergonha em pertencer à classe.
E para encerrar, mas não menos importante: de todas as coincidências, a mais absurda. Sempre tive orgulho do meu. Ele é cheio dos detalhes. Outros preferem o apelido. Meus pais foram demais quando registraram a minha certidão de nascimento. Eu os agradeço até hoje por isso. Depois, passados vinte e um invernos, pela primeira vez, e com pesar inenarrável, assumo em alto e bom tom: tenho vergonha de me chamar WELLINGTON! Pelo menos por um tempo me chamem pelo nome de um dos 12 que partiram. De preferência, por Rafael.

Texto de:
Wellington Nardes

Universitário de Jornalismo - Universidade do Vale do Itajaí
Coordenador de Escola - Lupa Assessoria e Treinamento
Comentarista Esportivo - Rádio Mais FM 103,1

Um comentário:

  1. 'Rafael' Tem toda a razão, os jornalistas só querem mídia, independente se acharemos bom ou ruim :/

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